15- Fé cega, faca amolada.

Eu acho a Bíblia um grande livro. Leio com certa frequência e vou anotando trechos interessantes, principalmente aqueles que são omitidos por parte de seus seguidores. Após publicar a página “O limite do mau” recebi, por email, alguns comentários interessantes, a maioria com uma tentativa de explicar o motivo de Deus ter sido “do mal”. Meu objetivo com a página citada era mostrar que na Bíblia existem passagens onde o Deus não foi aquele bonzinho como todos imaginavam, criando uma discussão sobre o assunto.
         Dando continuidade à discussão, encontrei em um vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=2aOU5Bkla1g) a descrição de uma parte do livro de Richard Dawkins, “Deus, um delírio”, que já li e que aborda este assunto. Achei o vídeo didático e vou compartilhar com vocês.
         O psicólogo israelense G. Tamarin realizou uma experiência sobre a moralidade infantil, analisando mais de mil crianças entre 8 e 14 anos. O foco da experiência seria as respostas sobre um tema: A batalha de Jericó segundo o livro de Josué (Josué 5:13-6:27), assim resumido: Com aprovação divina, Josué destrói com o fio da espada homens, mulheres e crianças da cidade de Jericó. Após a leitura do texto, a pergunta foi simples:
Vocês acham que Josué e os israelitas agiram certo ou não?
a) Aprovação total.
b) Aprovação parcial.
c) Desaprovação total.
         Os resultados foram: 66% com aprovação total; 26% com desaprovação total e 8% com aprovação parcial. Vou citar algumas respostas:
1.       Em minha opinião, Josué e os israelitas agiram certo porque Deus lhes prometeu esta terra e lhes deu permissão para conquistá-la. Se não tivessem obedecido, ou matado alguém, então correriam o risco de os filhos de Israel terem se misturado com esses outros povos.”
2.       “Em minha opinião, estava certo quando o fez, pois Deus o ordenou que exterminasse o povo, assim as tribos de Israel não se misturaram com eles, aprendendo seus maus modos.”
3.       “Josué fez bem, pois o povo que habitava aquela terra era de outra religião. E quando Josué os matou, varreu sua religião da face da terra”.
         As justificativas apresentadas nas respostas para o massacre genocida de Josué foram religiosas em todos os casos e até aqueles que desaprovam totalmente, justificaram a matança por motivos religiosos. Uma garota, por exemplo, não aprovou a atitude de Josué “porque para fazê-lo ele tinha que entrar na terra do inimigo e acho que isso foi ruim, já que os árabes são impuros. E quando se entra em uma terra impura nos tornamos impuros e receberemos o castigo a eles destinado”.
         O pesquisador tinha um grupo controle na sua experiência. Um grupo de 168 crianças israelenses que receberam a mesma questão das outras, mas o nome Josué foi trocado para Gal Lyn, um general chinês, e Israel substituído por um reino chinês de 3 mil anos atrás. Os resultados foram opostos. Só 7% aprovaram o comportamento do General Lyn, 75% desaprovaram e 18% escolheram a aprovação parcial.
         Analisando os dados obtidos por Tamarin, observamos nitidamente que quando a lealdade religiosa ao judaísmo é removida, a maioria das crianças concordou com os modelos morais de uma grande parte dos humanos modernos. Os feitos de Josué foram atos de um bárbaro genocídio, mas tudo parece diferente sob um ponto de vista religioso. Esta doutrinação começa nos primeiros anos de vida e foi a religião que fez a diferença entre as crianças condenarem um genocídio ou aprovarem-no, demonstrando o perigo da doutrina cega (Doutrina cega).
         Quando vejo determinadas pessoas pregando no meio da rua, ou em seus templos emitindo sons para fora com alto-falantes possantes, eu percebo o quanto este “vírus” está impregnado nesta gente. Alguns semianalfabetos leem as palavras contidas nos livros sagrados e interpretam de sua maneira, passando a informação para seus fiéis que aceitam sem questionar (Aleluia!). Será que esta gente que ergue sua Bíblia como inspiração para retidão moral tem a mínima noção do que está escrito lá?

O coletor de lenha
         Outra passagem do Velho Testamento que me chocou pode ser lida em Números 15 e vou aqui resumir. Como já citado na página “O limite do mau”, você seria executado se trabalhasse no sábado (Êxodo 31:15). Em Números 15, existe a história de um homem que os filhos de Israel encontram na mata apanhando lenha no dia proibido. Prenderam-no e perguntaram a Deus o que deviam fazer. Deus disse a Moisés que o homem deveria morrer sendo apedrejado por toda a congregação. Assim foi feito. Toda a congregação o levou para fora do arraial e o apedrejou até sua morte. Qual é a mensagem desta ação? Apenas criar medo ao desrespeitar a vontade Divina? Este é o exemplo que você quer passar para seu filho? Será que este simples apanhador de lenha tinha mulher e filhos para chorar por ele? Será que ele teve medo e sentiu dor quando a primeira pedra acertou sua cabeça? Será que existia felicidade no rosto daqueles que apedrejavam? Deus estava feliz?
         O medo doutrina as pessoas. O medo põe limites nas ações. Tudo pelo medo. Olha o inferno! O que choca não é a veracidade destas histórias, mas a existência, até hoje, de pessoas que baseiam suas vidas em exemplos como os citados acima. Crianças são apedrejadas até a morte na Somália, mulheres no Islamismo e cerca de 25 prisioneiros no Irã aguardam a sua vez.
         Estas atrocidades são feitas seguindo o que está escrito nos livros sagrados. Alguns exemplos de Deus são bases fortes para comportamentos de algumas sociedades. É importante dizer que a maior parte de Bíblia é muito bonita e deve ser seguida pelos seus fiéis, mas não podemos nos cegar para as passagens maléficas e utilizá-las como referências e modelos. Mesmo com todos os argumentos explicativos dos religiosos na tentativa de redimir Deus de suas ações, devemos discuti-las e evitá-las, porque, com estas ações, Deus não foi um bom exemplo. Analise com cuidado o que você está lendo, reflita e, antes de estabelecer o seu conceito, olhe para seu filho, seu neto, sobrinho ou uma criança e veja se você quer isto para eles.
         Para finalizar, deixarei uma passagem da Bíblia (Velho Testamento) para análise e reflexão. Deuteronômio 13.
6. Quanto ao profeta ou intérprete de sonhos, deverá ser morto, porque propôs uma revolta contra Javé seu Deus, que tirou vocês do Egito e os resgatou da casa da escravidão, e porque procurou afastar você do caminho pelo qual Javé seu Deus havia mandado seguir. Desse modo, você estará eliminando o mal do seu meio.
7. Se seu irmão, filho de seu pai ou de sua mãe, ou seu filho, sua filha, ou a esposa que repousa em seus braços, ou o amigo íntimo quiser seduzir você secretamente, convidando: 'Vamos servir outros deuses' (deuses que nem você nem seus antepassados conheceram,
8. deuses de povos vizinhos, próximos ou distantes de você, de uma extremidade da terra à outra),
9. não faça caso, nem dê ouvidos. Não tenha piedade dele, não use de compaixão, nem esconda o erro dele.
10. Pelo contrário: você deverá matá-lo. E para matá-lo, sua mão será a primeira. Em seguida, a mão de todo o povo.
11. Apedreje-o até que morra, pois tentou afastar você de Javé seu Deus, que o tirou do Egito, da casa da escravidão.
12. E todo o Israel ouvirá, ficará com medo, e nunca mais se fará em seu meio uma ação má como essa.
Edson Perrone
ecperrone@gmail.com


Dawkins, R. Deus, um delírio. São Paulo. Companhia das Letras. 2007