19- O ovo ou a galinha?

        

O grande problema dos radicais religiosos está, especificamente, com o Gênesis. Deve ser muito desconfortante ter que brigar e defender textos com tantas contradições. Não estou considerando a interpretação e sim o que está escrito. Como podem conviver com duas versões da criação? Existe uma versão no primeiro capítulo e outra diferente no segundo. Na primeira versão, os pássaros e bestas foram criados antes do homem e na segunda, o homem é criado antes dos pássaros e bestas. Quem veio primeiro? “O ovo ou a galinha?”.

         Desculpem-me os criacionistas fixistas, mas é muito fácil responder esta pergunta sob a visão evolucionista, porque o animal galinha é descendente dos répteis que já botavam ovos, portanto, o ovo veio primeiro e o animal galinha surgiu muito tempo depois. Mas, de uma forma equivocada, poderíamos acreditar que foi o galo, feito do barro, e de sua costela, surgiu a galinha, que colocou o ovo.
         Existem desacordos no Gênesis. Na primeira versão, as aves são feitas a partir da água (Gênesis 1: 21-22) e, na segunda, as aves são feitas a partir da terra (Gênesis 2: 19), portanto, a criação foi na água ou na terra? Em Gênesis 1: 26-27, Adão e Eva são criados juntos e, no segundo capítulo (Gênesis 2: 7, 19, 20 e 22), Adão foi criado primeiro, deu nome aos seres e então Eva foi criada a partir de uma das costelas de Adão. Qual a verdade? Sei que muitos vão responder estes questionamentos sob o ponto de vista religioso, porque tiveram muito tempo para discutir e arrumar desculpas, entretanto, mesmo parecendo besteira, estes “equívocos” podem provocar erros na interpretação. Considerando que a Bíblia foi copiada e modificada tantas vezes, porque não evitaram as duas escritas? Estes erros conceituais podem gerar questionamentos e dúvidas, assim pergunto: “Um gafanhoto é verde porque vive na grama ou vive na grama porque é verde?”.
         Dependendo da resposta podemos estar cometendo um erro de conceito. Novamente respondo sob a ótica darwinista: o gafanhoto vive na grama porque é verde, possuindo esta característica vantajosa que lhe permite a sua sobrevivência na grama, dificultando a ação dos predadores. Mas por um erro de conceito, segundo Lamarck, poderia dizer que é verde porque vive na grama, aceitando que o gafanhoto ficou verde por influência da grama.
         Os religiosos acreditam que o Gênesis foi escrito por homens orientados por um poder Divino. Entretanto, estas histórias são muito mais antigas que o Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). O Gênesis é pura cópia das histórias de outros povos. Só não percebe quem não quer estudar as nossas origens e se fecha dentro das “muralhas” de suas crendices. Vou tentar esclarecer utilizando poucos exemplos.
         Observando a história persa, que é muito semelhante a dos etruscos, babilônios, fenícios, caldeus e egípcios, Deus criou o mundo em seis dias, criou um homem chamado Adama e uma mulher chamada Eva e então descansou. Nota alguma semelhança? Os persas, gregos, egípcios, chineses e hindus têm seu Jardim do Éden e sua Árvore da Vida, bem como os persas, os babilônios, os núbios, o povo do sul da Índia, que possuem histórias do homem e da serpente astuciosa. Os chineses dizem que o pecado veio ao mundo através da desobediência da mulher e os taitianos acreditam que o homem foi criado da terra e a primeira mulher de um de seus ossos. Lembra de alguma passagem assim? Sugiro a leitura da página (Adão e Eva).
         Sei que é duro reconhecer que o Gênesis é composto por cópias feitas durante muito tempo por homens que tinham a dedicação e a “inspiração” de contar os mitos e lendas de seu povo e outras que escutavam de povos vizinhos, criando um fantástico acervo que serviu de base para outros mitos e outras lendas até chegar ao tempo atual, na Bíblia que conhecemos. Sugiro a leitura da página (Quem escreveu a Bíblia?).
         Utilizando o texto de Robert G. Ingersoll (The Secular Web), podemos agora discutir a história do dilúvio. Esta história é muito mais antiga que o livro do Gênesis e foi copiada da versão caldéia. Nela encontramos o mesmo conteúdo, com chuva, a arca, os animais, a pomba que foi enviada três vezes e a montanha na qual a arca repousou. Além disso, os hindus, chineses, persas, gregos, mexicanos e escandinavos têm essencialmente a mesma história. Mesmo sendo uma história absurda, mas interessante como lenda, os criacionistas a defendem com “unhas e dentes”. Para ter base na discussão, sugiro uma leitura na página (O dilúvio) e veja se existe a mínima possibilidade desta lenda acontecer.
         Os criacionistas se defendem dizendo que estas citações só comprovam a veracidade de Adão e do dilúvio. Na realidade os textos bíblicos, aqui apenas considerando o Gênesis, são apenas comprovações das adequações e cópias de outros mitos e lendas, onde os redatores não tinham qualquer pretensão dos seus textos serem utilizados como a Igreja impôs.
         Esqueça seus dogmas. Esqueça o seu medo. Volto a pedir uma reflexão: o Pentateuco, principalmente o Gênesis, para evitar a carnificina dos outros quatro livros, além de uma boa leitura histórica, pode ser utilizado como única verdade? Será que os autores de Gênesis sabiam tanto sobre as origens e da natureza quanto Aristóteles, Copérnico, Kepler, Galileu, Newton, Humboldt, Darwin, Haeckel, Einstein, Hubble, Hawking, entre tantos? A resposta é simples, não! E ainda sabemos tão pouco! Se Deus, um dia, teve e pretensão de passar os seus ensinamentos para o homem sob a forma escrita, escolheu o momento errado e deve estar muito insatisfeito com o que fizeram com suas ideias originais.

Edson Perrone