17- O pecado do fiel


Muitas pessoas continuam confundindo meu ponto de vista. Não sou contra religião e nem sou ateu. Sou contra o radicalismo e fanatismo e, sempre, a favor da ciência. Minha vida de biólogo sempre foi marcada por passagens “curiosas” que envolvem os criacionistas fixistas com suas “bandeiras” enfraquecidas pelo tempo. Estes radicais selecionam partes da Bíblia, que ainda podem servir de alicerces para uma ideologia ultrapassada, e disparam suas últimas munições contra a ciência e, principalmente, contra a Teoria da Evolução (TE).
A TE, como toda ciência, cresce a cada momento, obtendo novas evidências e confirmando hipóteses. Como em qualquer campo científico, se existem passos que devem ser repensados, eles serão discutidos e, se em conformidade com múltiplos campos da ciência e aceitos por profissionais competentes e respeitados, serão aprovados e divulgados, sem vergonha de ser feliz! Fato não possível para quem usa a Bíblia como manual científico e que, no seu limite de discussão, utiliza o sobrenatural como justificativa.
Poucas pessoas conhecem a Bíblia. Falo “conhecer” como “pensar”, analisar e tirar um proveito para o crescimento humano. Muitos interpretam a forma literal de um livro que foi escrito por pessoas e modificado durante toda a sua história que é longa e que passou por vários momentos difíceis durante as cópias que foram feitas (Quem escreveu a Bíblia?). Muitas cópias passaram a conter informações sobre a época de sua redação, portanto, diferentes dos dias de hoje. Tenho certeza que os criacionistas, se pudessem, escreveriam a Bíblia de outra forma, evitando seus “calos”, para terem ferramentas para fomentar a ira contra conceitos científicos.
Da mesma forma que levantam o seu livro sagrado como a grande “arma”, esquecem de outras passagens que são consideradas “ocultas” por já serem reconhecidas como mitos ou lendas, devido às confirmações óbvias da ciência. Estas últimas “amarras” de um pensamento pobre e infrutífero só dependem do tempo, que é “irmão” da lógica e da sanidade, para serem depositadas no “fundo do baú”.
O desespero destes fixistas é tanto que a briga conceitual ocorre dentro dos limites da religião. A Igreja Católica, como forma inteligente, já percebeu há muito tempo que deve andar junto com o pensamento humano e apoiar os passos incontestes da ciência, inclusive da TE que é o monstro destes radicais religiosos. Conforme o meu livro “Entre o céu e a Terra”, volto a lembrar de Tomás de Aquino que foi um padre dominicano, consideradoo mais sábio dos santos e o mais santo dos sábios” e um dos principais pensadores do século XIII, que não pensava no Gênesis bíblico como uma dificuldade para as ciências naturais, porque a Bíblia não era um manual científico. O que era essencial para a fé, segundo ele, era o fato da Criação, não a maneira ou o modo como tudo foi formado. As Escrituras deveriam ser estudadas evitando as armadilhas de uma interpretação estritamente literal. Para Tomás, o sentido literal da Bíblia incluía metáforas, comparações e outros modos de expressões úteis para acomodar a verdade bíblica à compreensão dos leitores.
Mas a Igreja ainda não está livre de seus dogmas e posicionamentos inconsequentes. Muito pelo contrário, ainda toma atitudes da Idade Média. Seus seguidores fecham os olhos para o óbvio e se camuflam com comportamentos, no mínimo, interessantes. Para não estender muito, vou considerar apenas dois tópicos entre tantos que passam pela minha cabeça: o uso de métodos contraceptivos e o divórcio.
Mesmo que você seja um devoto leal à Igreja, um bom cidadão, um pai ou mãe exemplar, um filho ou filha “de ouro”, resumindo, aquele “gente boa!”,  “do bem”, você pode ser um pecador. O pecado é uma transgressão do preceito religioso e, portanto, a Igreja condena as duas ações citadas acima. Será que a explicação está relacionada à falta de experiência dos padres? 1- Os padres não usam camisinha. Mas com tantos padres pedófilos e homossexuais, deveriam usar! 2- Nunca vão se separar porque não podem se casar. Aqui cabe mais uma análise: Como um padre pode aconselhar a vida de um casal? O que este padre sabe da TPM feminina? O que este padre sabe de acordar todo dia do lado da sua mulher? Nada! Poupe-me, com mais de 20 anos de casado ainda não sei explicar e nem dar conselhos!

O uso da camisinha
Em relação à contracepção, a doutrina religiosa predominante é a que todos os meios de contracepção artificial são contra as leis de Deus. Por incrível que pareça, considerando os religiosos radicais, os métodos contraceptivos não podem sequer ser utilizados por uma pessoa cujo cônjuge está infectado com HIV. Certamente, esta é uma leitura possível das tradições católicas e cristãs, porém algumas pessoas consideram-na radical e decidiram “pecar” devido a situações extremas, como a prevenção contra as DSTs, principalmente, a infecção por HIV. Aleluia!
Lento um texto da Veja encontrei um documento interessante. Durante a campanha contra a AIDS feita no carnaval de 2011 pelo Ministério da Saúde, a Igreja sugeriu aos seus fiéis que não usassem camisinha, demonstrando um total desrespeito à vida humana, principalmente, dos jovens. A Igreja começou a pisar em território minado. A Aids é uma doença que mata milhões de pessoas em todo o mundo e o tratamento dos doentes consome grandes recursos do Ministério da Saúde. A camisinha é a proteção mais eficaz que se conhece contra a doença. Ainda, segundo a matéria da Veja, “no Brasil, mais de 500.000 pessoas foram contaminadas desde seu surgimento, nos anos 80. Como a doença não tem cura, quem evita o uso da camisinha e eventualmente contrai Aids só pode esperar que um milagre o salve”. O papel do Ministério da Saúde é alertar a população sobre a importância da utilização da camisinha como prevenção contra a doença.
A Igreja Católica considera a relação sexual apenas como a forma pela qual procriam os casais devidamente unidos pelo matrimônio. Como a prática do sexo, segundo entendimento da doutrina católica, não deve visar prazer, mas, sim, a concepção de um novo ser humano, o uso de preservativo seria injustificável. Segundo o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Raymundo Damasceno, "O Ministério da Saúde defende o uso da camisinha, mas nós somos contra porque achamos que usar preservativo se opõe aos ensinamentos morais" (Veja). Que moral é essa? O mais conflitante é que a Organização Mundial de Saúde considera o sexo como um dos quatro pilares para a qualidade de vida das pessoas.
Se você é católico ou de religião similar, o que você acha? Quando escrevo sobre o radicalismo das religiões me refiro, também, a este comportamento irresponsável. Tentar impor comportamentos colocando a vida de milhares de pessoas em risco é, no mínimo, insano. E o pior... a maioria dos católicos usa camisinha e a recomenda para seus filhos, portanto, não respeita a sua religião e, muitas vezes, quer ser exemplo do puritanismo e da razão usando determinadas passagens bíblicas como suporte para a agressão à ciência. Existe aqui um paradoxo ou uma loucura.

O pecado da separação
Agora vamos analisar o matrimônio. Segundo a Igreja Batista, Deus instituiu o matrimônio, “Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e serão os dois uma só carne, assim já não são mais dois, mas uma só carne. Porquanto o que Deus ajuntou, não o separe o homem (Mc 10: 7-9)”. A aliança é permanente e indissolúvel (Mt 19-6) e Deus odeia o divórcio (repúdio), portanto, somente a morte pode separar a união: “A mulher casada está ligada pela lei todo o tempo que o seu marido vive; mas, se falecer o seu marido fica livre para casar com quem quiser, contanto que seja no Senhor (I Cor 7:39)”.
E agora? Existe uma legião de casais que frequentam a Igreja e são separados, outros casados novamente e, alguns, separados novamente, portanto, réus confessos de seus pecados. O divórcio é legalizado pelas leis brasileiras e a Igreja faz vista grossa sobre o assunto. Não podem existir dois pesos e duas medidas. Se a Bíblia diz que Deus criou tudo o que existe em 6 dias, e os criacionistas fixistas tomam esta bandeira no front da batalha contra a ciência, porque não continuam acreditando que o Sol gira em torno da Terra e cassam os pecadores separados de sua seita?
         Considerando estes pecados citados acima, geramos uma excrescência: a hipocrisia. Existem muitos que se mostram coerentes com as exigências da religião somente quando estão na Igreja. Longe da fiscalização religiosa, vivem outra realidade, desenvolvendo uma duplicidade comportamental. No mundo privado comportam-se com toda a liberdade de seus “pecados”, mas quando vão à Igreja, passam por uma metamorfose impressionante, assumindo um ar purificado e agindo de acordo com os códigos impostos e seus dogmas absurdos.

Edson Perrone
ecperrone@gmail.com


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